domingo, julho 01, 2007

Cristina Branco

Letras de algumas das canções interpretadas em Sesimbra no espectáculo do dia 30 de Junho de 2007

Tive um coração, perdi-o
tive um coração, perdi-o
ai, quem mo dera encontrar
preso no fundo do rio
ou afogado no mar
quem me dera ir embora
ir embora, sem voltar
a morte que me namora
já me pode vir buscar
tive um coração, perdi-o
ainda o vou encontrar
preso no lodo do rio
ou afogado no mar

Trago fados nos sentidos
Trago fados nos sentidos
Tristezas no coração
Trago os meus sonhos perdidos
Em noites de solidão
Trago versos trago sons
Duma grande sinfonia
Tocada em todos os tons
Da tristeza e da agonia
Trago amarguras aos molhos
Lucidez e desatinos
Trago secos os meus olhos
Que choram desde meninos
Trago noites de luar
Trago planícies de flores
Trago o céu e trago o mar
Trago dores ainda maiores

Sete pedaços de vento
Entrego ao vento os meus ais
Onde desejo se mata
Sete desejos carnais
Que o meu desejo desata

Meus lábios estrelas da tarde
Sete crescentes de lua
Que o desejo não me guarde
Na vontade de ser tua

Quero ser Eu sou assim
Sete pedaços de vento
Sete vozes no jardim
No jardim que eu própria invento

Sete ares de nostalgia
Sete perfumes diversos
Nos cristais da fantasia
Amante de amores dispersos

Sete gritos por gritar
Sete silêncios viver
Sete luas por brilhar
E um céu para me acontecer

Entrego ao vento os meus ais
Onde desejo se mata
Sete desejos carnais
Que o meu desejo desata

Meus lábios estrelas da tarde
Sete crescentes de lua
Que o desejo não me guarde na vontade de ser tua
Que o desejo não me guarde na vontade de ser tua
Que o desejo não me guarde na vontade de ser tua

Fria Claridade
No meio da claridade
Daquele tão triste dia
Grande, grande era a cidade
E ninguém me conhecia

Então passaram por mim
Dois olhos lindos depois
Julguei sonhar vendo enfim
Dois olhos como há só dois

Em todos os meus sentidos
tive presságios de Deus
E aqueles olhos tão lindos
Afastaram-se dos meus

Acordei e a claridade
Fez-se maior e mais fria
Grande, grande era a cidade
E ninguém me conhecia

Navio Triste
Não sei do teu inverno,
das histórias
levadas pelos ventos
da memória.
Só sei que ainda fazes
parte do meu desejo
fugaz presença, calmo
entardecer.
Na voz tolhida e fraca
um olhar me comove.
A rua incandescente
por onde foste
sem voltar.
Vê lá ainda espero
um sinal do teu lenço
acenando à proa
de um navio triste
que na bruma se foi...

Destino
Quem disse à estrela o caminho
Que ela há de seguir no céu?
A fabricar o seu ninho
Como é que a ave aprendeu?
Quem diz à planta - "Floresce!"
E ao mudo verme que tece
Sua mortalha de seda
Os fios quem lhos enreda?

Ensinou alguém à abelha
Que no prado anda a zumbir
Se à flor branca ou à vermelha
O seu mel há de ir pedir?
Que eras tu meu ser, querida,
Teus olhos a minha vida,
Teu amor todo o meu bem...
Ai! não mo disse ninguém.

Como a abelha corre ao prado,
Como no céu gira a estrela
Como a todo o ente o seu fado
Por instinto se revela,
Eu no teu seio divino
Vim cumprir o meu destino...
Vim, que em ti só sei viver,
Só por ti posso morrer.

Água e Mel
Entre os ramos de pinheiro
Vi o luar de janeiro
Quando ainda havia sol
E numa concha da praia
Ouvi a voz que desmaia
Do secreto rouxinol

Com água e mel
Comi pão com água e mel
E do vão duma janela
Beijei sem saber a quem
Tenho uma rosa
Tenho uma rosa e um cravo
Num cantarinho de barro
Que me deu a minha mãe

Fui p'la estrada nacional
E pela mata real
Atrás dum pássaro azul
No fundo dos olhos trago
A estrada de Santiago
E o cruzeiro do sul

Abri meus olhos
Abri meus olhos ao dia
E escutei a melodia
Que ao céu se eleva de pó
Do vinho novo
Se provei o vinho novo
Se amei o rei e o povo
Meu Deus porque estou tão só

Fado Perdição
Este amor não é um rio
Tem a vastidão do mar
A dança verde das ondas
Soluça no meu olhar

Tentei esquecer as palavras
Nunca ditas entre nós
Mas pairam sobre o silencio
Nas margens da nossa voz

Tentei esquecer os teus olhos
Que não sabem ler nos meus
Mas neles nasce a alvorada
Que amanhece a terra e os céus

Tentei esquecer o teu nome
Arrancá-lo ao pensamento
Mas regressa a todo o instante
Entrelaçado no vento

Tentei ver a minha imagem
Mas foi a tua que vi
No meu espelho, porque trago
Os olhos rasos de ti

Este amor não é um rio
Tem abismos como o mar
E o manto negro das ondas
Cobre-me de negro o olhar

Este amor não é um rio
Tem a vastidão do mar

Barco Negro
De manhã, que medo, que me achasses feia!
Acordei, tremendo, deitada n'areia

Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração.
Mas logo os teus olhos disseram que não,
E o sol penetrou no meu coração.

Vi depois, numa rocha, uma cruz,
E o teu barco negro dançava na luz
Vi teu braço acenando, entre as velas já soltas
Dizem as velhas da praia, que não voltas:
São loucas! São loucas!

Eu sei, meu amor, que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor, me diz qu'estás sempre comigo.
Eu sei, meu amor, que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor, me diz qu'estás sempre comigo.

No vento que lança areia nos vidros;
Na água que canta, no fogo mortiço;

No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo.
No calor do leito, nos bancos vazios;
Dentro do meu peito, estás sempre comigo.

Eu sei, meu amor, que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor, me diz qu'estás sempre comigo.
Eu sei, meu amor, que nem chegaste a partir,
Pois tudo, em meu redor, me diz qu'estás sempre comigo.

Porque me olhas assim
Diz-me agora o teu nome
Se já dissemos que sim
Pelo olhar que demora
Porque me olhas assim
Porque me rondas assim

Toda a luz da avenida
Se desdobra em paixão
Magias de druída
P'lo teu toque de mão
Soam ventos amenos
P'los mares morenos
Do meu coração

Espelhando as vitrinas
Da cidade sem fim
Tu surgiste divina
Porque me abeiras assim
Porque me tocas assim

E trocámos pendentes
Velhas palavras tontas
Com sotaques diferentes
Nossa prosa está pronta
Dobrando esquinas e gretas
P'lo caminho das letras
Que tudo o resto não conta

E lá fomos audazes
Por passeios tardios
Vadiando o asfalto
Cruzando outras pontes
De mares que são rios
E num bar fora de horas
Se eu chorar perdoa
Ó meu bem é que eu canto
Por dentro sonhando
Que estou em Lisboa

Diz-me então que sou teu
Que tu és tudo p'ra mim
Que me pões no apogeu
Porque me abraças assim
Porque me beijas assim

Por esta noite adiante
Se tu me pedes enfim
Num céu de anúncios brilhantes
Vamos casar em Berlim
À luz vã dos faróis
São de seda os lençóis
Porque me amas assim

Ai, Maria
Que bonita é a Maria, que bonita
Que graça a Maria tem
Como ela no cabelo põe a fita
Como ela, não a sabe pôr ninguém
Tão bonita, no cabelo, aquela fita!

Mal morre a noite, inda não nasceu o dia
Já na fonte vai Maria
Lá vem Maria, lata dágua na cabeça
Ai, Maria! Ai, Maria!

Quando dá-se, mal a manhã se avizinha
Mil olhos a vão seguindo.
Quando o sol, de quase fechada a tardinha,
De mil bocas a Maria vai ouvindo:
Pobrezinha, mas tem porte de rainha!

Cansaço
Por trás do espelho quem esta
De olhos fixados no meus?
Alguém que passou por cá
E seguiu ao Deus dará
Deixando os olhos nos meus.

Quem dorme na minha cama
E tenta sonhar meus sonhos?
Alguém morreu nesta cama
E lá de longe me chama
Misturado nos meus sonhos.

Tudo o que faço ou não faço
Outros fizeram assim
Dai este meu cansaço
De sentir que quanto faço
Nao é feito só por mim.

Povo que lavas no rio
Povo que lavas no rio
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão
Há-de haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tua vida não

Fui ter à mesa redonda
Beber em malga que esconda
Um beijo de mão em mão
Era o vinho que me deste
Água pura em fruto agreste
Mas a tua vida não

Aromas de urze e de lama
Dormi com eles na cama
Tive a mesma condição
Povo, povo eu te pertenço
Deste-me alturas de incenso
Mas a tua vida não

Meu Amor É Marinheiro
Meu amor é marinheiro
E mora no alto mar
Seus braços são como o vento
Ninguém os pode amarrar
Quando chega à minha beira
Todo o meu sangue é um rio
Onde o meu amor aborda
Seu coração, um navio

Meu amor disse que eu tinha
Na boca um gosto, a saudade
E os cabelos onde nascem
Os ventos e a liberdade

Meu amor é marinheiro
Quando chega à minha beira
Acende um cravo na boca
E canta dessa maneira

Eu vivo lá longe, longe...
Onde dormem os navios
Mas um dia hei de voltar
Nas águas de nossos rios
Hei de passar nas cidades
Como o vento nas areias
E abrir todas as janelas
E abrir todas as cadeias

Meu amor é marinheiro
E mora no alto mar
Coração que nasceu livre
Não se pode acorrentar

Os teus olhos são dois círios
Os teus olhos são dois círios
dando luz triste ao meu rosto
marcado pelos martírios
da saudade e do desgosto.

Quando oiço bater trindades
E a tarde já vai no fim
Eu peço às tuas saudades
Um padre nosso por mim.

Mas não sabes fazer preces,
Nao tens saudades nem pranto,
Por que é que tu me aborreces,
Por que é que eu te quero tanto.

És para meu desespero
Como as nuvens que andam altas,
Todos os dias te espero,
Todos os dias me faltas.

Maria Lisboa
É varina, usa chinela,
Tem movimentos de gata;
Na canastra, a caravela,
No coração, a fragata.
Em vez de corvos no xaile,
Gaivotas vêm pousar.
Quando o vento a leva ao baile,
Baila no baile com o mar.

É de conchas o vestido,
Tem algas na cabeleira,
E nas velas o latido
Do motor duma traineira.
Vende sonho e maresia,
Tempestades apregoa.
Seu nome próprio: Maria;
Seu apelido: Lisboa.