segunda-feira, abril 09, 2007

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Chronica do muito alto e muito esclarecido principe D. Affonso Henriques primeiro Rey de Portugal, Lisboa Occidental, 1726.
Capitulo XXXIX. Como ElRey D. Affonso tomou Cezimbra, e Palmela, e peleyjou, e venceo ElRey Mouro de Badalhouse com muita Mourama.
[ Biblioteca Nacional ]

Sempre depois deste casamento [de D. Mafalda, filha de E-Rei, com D. Raimundo, filho do Conde D. Raimundo de Barcelona] El-Rei D. Afonso esteve e andou por aqueles lugares que ganhara aos Mouros, provendo-os de coisas que lhe cumpriam para sua defesa, [tais] como fossem governados em justiça, e estando assim em Alcácer na era do Senhor de mil e cento e setenta e cinco anos, havendo já El-Rei setenta e um de sua idade, veio recado como Cezimbra estava minguada de gente, que a tomaria se fosse sobre ela.

A esta nova partiu logo El-Rei de Alcácer com toda sua gente, e foi-a combater com tanta afronta, que ainda que a Vila e Castelo eram mui fortes, filhou-a [conquistou-a] por força, e desde que teve a Vila sossegada, e posto nela quem a guardasse, determinou de ir ver Palmela, e o assento e fortaleza dela, levando consigo sessenta bons Cavaleiros e alguma gente de pé, e besteiros, e chegando a Palmela e estando vendo-a, assomou El-Rei de Badalhouse com muita mourama das frontarias dos arredores, em que havia quatro mil homens de cavalo e sessenta mil de pé, e vinham ao longo sem ordem, a grande pressa para socorrer Cezimbra, descuidados de verem nem acharem ali Cristãos.

Teve-se El-Rei atrás de um cabeço, e vendo os que eram com ele tanta gente, começaram de haver grande receio, e todos aconselhavam El-Rei que se acolhesse a seu arraial o melhor que pudesse, e deles diziam, que se puzessem em uma alta serra que por aí vai, que se chama a serra de Azeitão, e tomassem nela algum lugar forte para se defenderem, até ir recado aos do arraial.

El-Rei, com quanto viu o medo e receio dos seus pela grande multidão dos Mouros, porém, esforçando-se no poderio de Deus ser maior que o dos homens, no qual ele sempre esperando se achava vencedor, falou aos seus desta maneira:

Que esmaio [desfalecimento] é este amigos, ou que nova desconfiança do Senhor Deus, nem que vedes vós agora de novo, para tanta turvação; estes muitos que vedes são os que vós, muito menos do que agora sois, sempre vencestes, para isso ganhamos nós pelejando, e vencendo, há cinquenta anos, tanto merecimento e honra perante Deus e o Mundo, para tudo, numa só hora, fugindo, perdermos; certo que ouvindo-vos, o que ouço, se vos a todos não conhecesse, poderia mal cuidar [duvidar], serdes os que comigo vencestes muitos mais do que estes inimigos no Campo de Ourique, e em outros lugares; não ponhais perante vós meus amigos, quantos mais são do que nós, mas quanto no poder e querer de Deus, por quem pelejamos, são muito menos do que nós; o medo em que Deus os já pôs para nós maiormente se dermos neles de sobressalto [de surpresa], farda que [fará com que] lhes pareçamos muitos mais do que somos, e eles assim mesmos [os Mouros, pelo seu lado], menos muito do que são, e tendo-nos Deus tantas vezes mostrado esta verdade, podeis ainda cuidar em nos devermos de retrair, nem fugir, Deus por nós sempre contra eles em honra e vencimento, e nos queremos agora por em deshonra, e nossos inimigos em glória e esforço contra nós.

Ora havei Cavaleiros, que míngua de fé, mingua de crença nos encurta o esforço, mal concorda no coração de Cristão esmaio [desfalecimento] com ardileza, mal no Cristão desconfiança com fé, que ainda que poucos sejamos, também de muitos, poucos são os que pelejam, não têm hoje estes nossos inimigos em seus corações coisa mais certa que topando-se no campo convosco, e comigo, haverem-se logo por vencidos. Tanto [assim] que nos virem não ficará destroço, nem mortos, nem vencimentos [vitórias] passados, quantos contra eles houvemos, que como presentes ante si não ponham, este de agora, que com a graça de Deus haveremos. Pelo qual, meus bons Cavaleiros, não vos venham por sentido medos, de que nosso Senhor Deus sempre livrou, e mostrou o contrário, e pois por tantas e tão milagrosas vitórias, que sobre nosso poder, por sua piedade nos deu, temos tão sabido nada ser a ele impossível, não devemos nada temer, vamos logo com sua graça, que nos sempre acompanha ferir nos inimigos. Eu quero hoje ser vosso pendão e ver se me quereis seguir, e guardar, como sempre fizestes, que pois Deus ordenou para mostrar mais seu grande poder, que com tão poucos me aqui acertasse, eu determino por seu serviço, hoje neste dia, de vencedor ou de morto, não me partir do campo.


Desde que El-Rei acabou de falar, vendo os seus nele tanta grande confiança e determinação, todos muito esforçados com suas palavras e esforço, disseram, que por muito mais desigual que o caso fosse, deles aos Mouros, pois [como] ele seu corpo determinava pôr em tal feito, eles lhe não faleceriam [não o abandonariam] e o seguriam como sempre fizeram, dizendo que dessem logo neles. Vinham já pelo infesto acima, já cerca, e não haviam mais que tardar. Abalou então El-Rei à pressa com grande coração [determinação] e esforço, e todos com ele, em se mostrando fez dar [tocar] as trombetas, e foram ferir nos primeiros tão rijamente que logo muitos deles foram derrubados, entre mortos e feridos.

Os Mouros, achando-se salteados [assaltados] e conhecendo que aquele era El-Rei D. Afonso, que tanto temiam, figurando-se-lhe que seria muita mais gente, foi o medo com eles tão grande que começaram logo a fugir, parecendo aos trazeiros [aos Mouros da rectaguarda] que os seus mesmos, que voltavam fugindo, eram inimigos, como soe a fazer a gente de medo cortada [como costuma aconter a gente em pânico] e assim correndo o desmaio [desfalecimento] por eles, se puseram todos em desbarate [em fuga].

Alguns contam que se guardou El-Rei para de madrugada dar neles, onde foram vistos pousar, por ser hora e tempo azado [apropriado] para mais desmaio e desbarato dos Mouros, e assim o fez e os desbaratou.

Como quer que fosse feito, foi em que entrou saber de Cavalaria, com grande coração e esforço, ajudado por nosso Senhor, por cujo serviço se aventurava. Seguiu El-Rei após os Mouros, matando e ferindo e cativando muitos no alcance [na perseguição] tomando-lhes a carriagem e despojos grandes, de quanto traziam. Tanto [assim] que o desbarato foi acabado, mandou El-Rei dois Cavaleiros a grande pressa a Cezimbra, às suas gentes que lá ficaram, [para] que logo fossem todos com ele, e foram ao outro dia todos aí juntos, muito ledos pela boa andança que Deus dera a El-Rei, e não menos tristes por se não acertarem [estarem] com ele na batalha.

Tanto que os de Palmela viram o desbarato dos seus Mouros e os Cristãos juntos contra si, tendo perdida a esperança do socorro, preitejaram-se [combinaram] com El-Rei que os deixasse sair em salvo, e lhes dariam a Vila, e El-Rei aprouve dello [concordou com isso], e assim houve a Vila de Palmela.

Texto integral da Chrónica